Por Guery Tã Baute – Coordenadora de Políticas para as Mulheres do Sinasefe-SP
A nova proposta de reforma administrativa, divulgada em outubro de 2025, retoma e amplia dispositivos que fragilizam o serviço público sob o discurso de modernização e eficiência. Por trás da linguagem tecnocrática da “gestão por resultados” e da “profissionalização das carreiras”, o texto constitucional proposto consolida um modelo de gestão que submete o trabalho das servidoras e servidores à lógica empresarial, transformando direitos em metas e vínculos em contratos frágeis.
No caso das mulheres servidoras federais, especialmente aquelas que atuam na educação, a reforma representa um retrocesso histórico. Ao eliminar progressões baseadas no tempo de serviço e condicionar a evolução funcional a avaliações de desempenho, cria-se um sistema que penaliza trajetórias interrompidas por licenças maternidade, cuidados familiares ou afastamentos motivados por sobrecarga de trabalho e adoecimento. As desigualdades estruturais de gênero, já evidentes nas instituições, tendem a ser reforçadas por métricas produtivistas insensíveis à dimensão reprodutiva e ao trabalho de cuidado que as mulheres exercem dentro e fora do ambiente laboral.
A substituição da estabilidade por vínculos flexíveis e a ampliação dos cargos comissionados de livre nomeação aprofundam a insegurança profissional, favorecendo ambientes de assédio e discriminação. A reforma, ao restringir o número de funções de confiança e ao submeter sua ocupação a avaliações periódicas “por resultados”, retira da autonomia e da experiência docente o valor político e institucional que a sustentava, precarizando as condições de gestão e de coordenação pedagógica, espaços onde as mulheres conquistaram relevância histórica.
O argumento de “premiar o mérito” ignora as condições materiais que tornam o trabalho das mulheres desigualmente reconhecido: jornadas duplas, salários comprimidos e sub-representação em cargos de liderança. Quando o Estado substitui o princípio do direito pelo da performance, transfere ao indivíduo a responsabilidade por um sucesso que depende de estruturas injustas. A gestão meritocrática, travestida de neutralidade técnica, aprofunda desigualdades interseccionais de gênero, raça e classe.
No campo da educação básica, profissional e tecnológica, essa reconfiguração ameaça o caráter público e social das instituições. A lógica de bônus de resultado e metas institucionais desloca a função educativa para o cumprimento de indicadores, esvaziando a dimensão humana, formativa e crítica do trabalho docente e técnico. Além de desmobilizar a carreira, a reforma abre brechas para terceirizações e contratações temporárias, precarizando vínculos e corroendo o sentido coletivo do serviço público.
Enquanto o discurso oficial fala em “transformar o Estado”, o que se vê é a tentativa de transferir aos trabalhadores e trabalhadoras a conta do ajuste fiscal permanente. As mulheres, maioria entre os servidores da educação e nos cargos de base, serão as primeiras a sentir os efeitos dessa desestruturação: instabilidade, intensificação do trabalho e perda de direitos historicamente conquistados por meio da luta sindical.
Diante disso, reafirmamos que defender o serviço público é também defender a vida e o trabalho das mulheres. A luta contra a reforma administrativa é, portanto, uma luta feminista: por dignidade, estabilidade e reconhecimento no exercício de funções essenciais à sociedade. Nenhuma “modernização” pode se sobrepor ao princípio de que o serviço público é patrimônio social e deve ser estruturado sobre justiça, igualdade e direitos.
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