A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), por meio do seu GT09 – Trabalho e Educação, divulgou um manifesto chamando atenção para os riscos envolvidos no processo de elaboração das novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Profissional e Tecnológica, atualmente em discussão no Ministério da Educação com base na Portaria MEC nº 422/2025. Para o grupo, a ausência de regulamentação explícita do Art. 36-C da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) no documento, responsável por garantir a oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio, representa uma ameaça concreta à continuidade de uma das políticas educacionais mais consolidadas e bem-sucedidas do país.

O governo federal está atualizando as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica (EPT), por meio da Resolução CNE/CP nº 1, de 5 de janeiro de 2021. Para isso, grupos de trabalho com representantes de diversos setores estão sendo ouvidos para a construção do documento final, que deveria ser entregue neste mês. No entanto, entidades e movimentos de luta pela educação afirmam que o texto tem deixado de fora as experiências bem-sucedidas da esfera pública. Com isso, o grupo pressiona para que o governo reabra as discussões antes de finalizar o processo.

O GT09 lembra que o Ensino Médio Integrado (EMI) é resultado de décadas de efetividade formativa, formulação teórica, resistência política e práticas pedagógicas comprometidas com a formação integral de jovens, adultos e idosos da classe trabalhadora brasileira. Essa modalidade, já amplamente consolidada na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e também em sistemas estaduais, expressa um projeto de educação que articula formação geral e formação profissional em um único currículo, superando a fragmentação que historicamente marcou o ensino médio no Brasil.

Embora reconheça que avaliações em larga escala não esgotam a complexidade dos processos formativos, o grupo destaca que exames como ENEM, SAEB e PISA demonstram, de forma consistente, o desempenho superior dos estudantes matriculados no Ensino Médio Integrado em comparação com outros modelos de oferta. Na Rede Federal, em particular, discentes do EMI têm alcançado resultados próximos aos obtidos por países da OCDE e por estudantes das melhores escolas privadas brasileiras, superando-os em alguns casos. Para a ANPEd, os dados deixam claro que se trata de uma política pública com resultados expressivos, que necessita de aperfeiçoamento e institucionalização, e não de invisibilidade ou retrocessos.

O manifesto enfatiza que o Ensino Médio Integrado é parte estruturante da Rede Federal, conforme estabelecido pela Lei nº 11.892/2008, que criou os Institutos Federais com a orientação de ofertar prioritariamente a Educação Profissional Técnica de Nível Médio na forma integrada. Ao contrário do itinerário de Formação Técnica e Profissional introduzido pela reforma do Ensino Médio no Art. 36 da LDB, o EMI possui natureza distinta, pois não se limita à soma entre Base Nacional Comum Curricular e formação técnica. Trata-se de um currículo integrado, coerente e orgânico, voltado para a construção de uma educação politécnica e omnilateral que assegure aos estudantes o direito a uma formação integral.

Para o GT09, a não inclusão explícita do Ensino Médio Integrado nas novas diretrizes abre caminho para seu esvaziamento e ameaça um projeto construído historicamente a partir do Decreto nº 5.154/2004 e consolidado na LDB pela Lei nº 11.741/2008. A ANPEd defende que as futuras Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Profissional e Tecnológica devem reconhecer e regulamentar plenamente as formas de oferta previstas em lei, incluindo o Ensino Médio Integrado regular e na modalidade EJA, além das demais articulações entre ensino médio e educação profissional. Para o grupo, retirar o EMI do texto das diretrizes significaria enfraquecer uma política essencial para democratizar o acesso ao conhecimento, fortalecer direitos sociais e garantir uma formação crítica e emancipadora à classe trabalhadora brasileira.

Confira o manifesto completo abaixo:

Movimento em Defesa do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional

Por que é fundamental que as novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica regulamentem o Art. 36-C da LDB visando garantir a continuidade da oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio (Ensino Médio Integrado – EMI)?

O Ensino Médio Integrado (EMI) é, sem dúvida alguma, uma realidade possível e necessária que vem sendo forjada na luta em defesa da formação integral de pessoas adolescentes, jovens e adultas da classe trabalhadora brasileira, especialmente, na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e em redes estaduais de educação.

Embora compreenda-se que as avaliações de larga escala não se constituam em avaliação em sentido pleno, por não captarem muitos aspectos qualitativos dos processos formativos, elas produzem indicadores que são utilizados pelo poder público para direcionar a política educacional. Nesse sentido, é de domínio público que sistemas de avaliações em larga escala como Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), dentre outros, proporcionam dados inequívocos sobre os melhores resultados alcançados pelos estudantes do Ensino Médio Integrado em relação às demais formas que o Ensino Médio é proporcionado à população brasileira. No caso da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, no PISA, por exemplo, seus estudantes, historicamente, vêm obtendo resultados muito próximos aos obtidos por seus pares dos países que integram a zona abrangida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e por aqueles que frequentam as melhores escolas privadas do país e, não raras vezes,  chegando a superá-los.

Assim, é óbvio que estamos diante de uma política pública extremamente exitosa, sendo necessário aperfeiçoá-la. Para tal, é imprescindível que o Ensino Médio Integrado seja explicitado nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, sob pena de sua descontinuidade, a exemplo de muitas outras políticas educacionais do nosso país.

No caso específico da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, o EMI é pilar estruturante da ação educativa das instituições que a compõem, conforme explicitado na Lei nº 11.892/2008 que a instituiu e que coloca em primeiro plano a oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, prioritariamente, sob a forma integrada.

Cabe explicitar que o Ensino Médio Integrado não pode, em hipótese alguma, ser confundido com a oferta de Educação Profissional Técnica de Nível Médio como um dos itinerários formativos previstos no Art. 36 da LDB em vigor, ou seja, como o itinerário formação técnica e profissional.

As duas possibilidades previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) são de naturezas distintas. Como itinerário formação técnica e profissional (Art. 36 da LDB), a Educação Profissional Técnica de Nível Médio é parte do modelo de organização curricular Base Nacional Comum Curricular (BNCC) + itinerários formativos, sendo, portanto, adicionada à BNCC.

Já a Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio (EMI), fundamenta-se na concepção de um currículo inteiro, onde Formação Geral Básica e Formação Profissional fazem parte de um todo indivisível, por isso mesmo, integrado, tendo como objetivo construir a travessia em direção à educação politécnica e omnilateral, que se concretiza na escola unitária e deve ser garantida a todos os estudantes dessa etapa.

Por todo o exposto, é imprescindível que as novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, objeto de estudo do Grupo de Trabalho (GT) criado pela Portaria MEC nº 422/2025, contemplem explicitamente o Ensino Médio Integrado (Art. 36-C da LDB).

Caso isso não ocorra, estar-se-á diante da ameaça concreta de esvaziamento da proposta de EMI que vem sendo construída, em meio a disputas, avanços e reveses, nas últimas décadas, especialmente, a partir do Decreto nº 5.154/2004, cujo conteúdo foi inserido na LDB por meio da Lei nº 11.741/2008, criando-se, então, a Seção IV-A (Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio), artigos 36-A, 36-B, 36-C e 36-D. Nesta Seção, além do EMI, também estão explicitadas a Educação Profissional Técnica de Nível Médio concomitante ao Ensino Médio e a Educação Profissional Técnica de Nível Médio subsequente a essa etapa, as quais também demandam regulamentações próprias nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica.

Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), o Decreto nº 5.840/2006 trata do Ensino Médio Integrado nessa modalidade ao instituir o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), de maneira que as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica também precisam alcançar o EMI na Educação de Jovens e Adultos.

Assim, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, no que concerne à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, devem contemplar, obrigatoriamente, tanto a oferta de Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio articulados ao Ensino Médio na forma integrada (EMI) (Art. 36 – C da LDB, Inciso I – introduzido pela Lei nº 11.741/2008 -), quanto de Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio articulados ao Ensino Médio na forma integrada, na modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja Técnico) (Art. 36 – C da LDB, Inciso I, combinado com Decreto nº 5.840/2006 e Resolução CNE/CEB nº 3/2025), além das demais formas previstas em lei, a saber:

. Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio ofertados na forma do quinto Itinerário Formativo do Ensino Médio: Itinerário Formação Técnica e Profissional (Art. 36 da LDB, Inciso V – introduzido pela Lei nº 14.945/2024 -).

. Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio subsequentes ao Ensino Médio (Art. 36 – B da LDB, Inciso II – introduzido pela Lei nº 11.741/2008 -)

. Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio articulados ao Ensino Médio na forma concomitante (Art. 36 – C, Inciso II – introduzido pela Lei nº 11.741/2008 -)

Dessa forma, teremos Diretrizes que contemplem os cursos técnicos de nível médio, priorizando a significativa experiência do Ensino Médio Integrado – incluindo a Educação de Jovens e Adultos, hoje desenvolvido especialmente nos Institutos Federais e em redes estaduais do nosso país.