Por Adelino Francisco de Oliveira, Coordenador da Pasta de Políticas Étnico-Raciais do Sinasefe-SP

Instituto Federal, campus Piracicaba – [email protected]

No marco dos cem anos do nascimento de Clóvis Moura e Frantz Fanon, intelectuais de relevo para se pensar o lugar do negro na dinâmica das sociedades coloniais e pós-coloniais, o contemporâneo é desafiado a debater sobre o caráter revolucionário que guarda a consciência negra. Não há registros de que Moura tenha conhecido presencialmente Fanon. Apesar de terem nascido no mesmo ano de 1925, viveram em contextos geográficos distintos. Fanon morreu jovem, com apenas 36 anos, Moura teve uma vida mais longeva, falecendo aos 78 anos. Tanto Moura quanto Fanon deixaram uma contribuição incontornável para se aproximar da questão do negro no contemporâneo.

Com Moura e Fanon aprendemos que a opressão racial não é um fenômeno espontâneo nem mesmo externo ao capitalismo, mas uma parte estrutural de seu funcionamento. As concepções de raça e classe são formadas conjuntamente. A racialização, como uma estratégia de dominação e exploração, surge das próprias dinâmicas da acumulação e competição capitalistas, que diferenciam trabalhadores e naturalizam desigualdades sociais. Assim, o racismo justifica e sustenta as desigualdades inerentes à um sistema que busca oprimir para explorar. O debate racial não pode ser dissociado da crítica à economia política.

Sobre o enfrentamento ao racismo, ensina-nos Frantz Fanon, é fundamental considerar seus impactos tanto no âmbito da subjetividade quanto na dimensão objetiva das relações no contexto do sistema capitalista. O existencialismo, focando na subjetividade no indivíduo histórico, permite uma aproximação imprescindível para se compreender as sequelas do racismo na existência de cada pessoa que sofre, cotidianamente, suas agressões. O marxismo, com sua análise estrutural, por sua vez, possibilita a compreensão da dinâmica das estruturas de opressão e exploração, que têm no racismo um instrumento de dominação eficaz para subjugar e continuar explorando todo um contingente da população.

Os impactos sociais do racismo tornam-se bem evidentes, por meio de uma estrutura social que segrega, marginaliza, exclui e, no limite, mata a população preta, em uma dinâmica de violência que alcança seu ápice no extermínio do jovem negro. Na análise de Frantz Fanon, as sequelas psicológicas do racismo, até por sua dimensão subjetiva, são mais veladas, mas não menos avassaladoras existencialmente. A violência simbólica cotidiana, na construção de uma representação cultural do negro como o não-ser, produz seus graves efeitos, gerando o sentimento de solidão, de alienação e de não pertencimento.

É urgente se romper com este sistema perverso, que perpetua, a partir do racismo, uma realidade de opressão e exploração. É tempo de se retirar as máscaras brancas, que insistem, opressivamente, em esconder as peles negras! Os condenados da terra, em unidade, devem se levantar contra as engrenagens racistas, alimentadas pela lógica capitalista. No bojo deste processo de libertação, o pensamento decolonial torna-se uma inflexão necessária. Não há perspectivas de emancipação real, sem que se rompa com todas as amarras impostas pela dominação colonial – que reduziu o negro e todo seu imaginário cultural à condição de não-ser –, ressignificada pela exploração capitalista. A decolonialidade, como propôs o pensador Enrique Dussel, em sua Filosofia da Libertação, é, sobretudo, o desvelamento, a contraposição e a superação do projeto colonial, implementado mediante a catequese da Igreja e a força da espada.

Na imprescindível obra Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas, Clóvis Moura nos relembra que celebrar a memória de Zumbi e toda resistência que significou os quilombos em torno de Palmares não deixa de representar também um movimento político, que alimenta a utopia de uma sociedade livre e igualitária. O enfrentamento ao racismo passa, necessariamente, pela justiça histórica e pela práxis política transformadora, na compreensão de que toda luta por libertação guarda uma dimensão de classe, é coletiva e internacionalista. Na coerência das lutas, na radicalidade decolonial da consciência negra, atuar contra o racismo significa se insurgir contra o sistema de opressão e exploração que se materializa no capitalismo.