Autor: MAURO SALA

Professor de Sociologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus Hortolândia

Pode parecer contraditório, mas a Reforma do Ensino Médio tem dois movimentos distintos em relação à carga horária: ela restringe em 1.800 horas a carga horária destinada à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), mas estabelece o aumento da carga mínima anual de 800 para 1.000 horas, com o objetivo de se atingir 1.400 horas anuais, embora sem data definida.

Desse modo, embora tenha uma tendência de reduzir a formação geral básica à BNCC (e limitá-la em 1800 horas), penso que não é possível resolver as duas tendências contraditórias da reforma simplesmente fazendo cortes de carga horária dos cursos, como propõem as Resoluções e Instruções Normativas do IFSP sobre a reformulação dos cursos integrados.

Segundo a regulamentação do IFSP,

“Os câmpus poderão adotar nos seus cursos técnicos na forma integrada ao Ensino Médio uma carga horária acima das 3.000 horas (nos casos das habilitações de 800 ou 1.000 horas do CNCT) e acima das 3.200 horas (nos casos das habilitações de 1.200 horas do CNCT), respeitadas as orientações da Resolução IFSP 18/2019” (Instrução Normativa PRE IFSP n. 6/ 2021).

A Resolução IFSP 18/2019 estabelece, no seu artigo 4, que

“A carga horária mínima dos cursos de Educação Básica ofertados no IFSP deve respeitar o disposto na legislação específica, e a máxima acrescer 7,5% (sete e meio por cento) da mesma” (Resolução IFSP n. 18/2019).

Desse modo, o IFSP estabeleceu uma carga horária mínima e máxima para seus cursos, tendo entre elas uma variação de 7,5%. Assim, os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio do IFSP deverão ter entre 3.000 e 3.440 horas, dependendo da carga horária mínima da formação técnica definida no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT).

É interessante notar que a própria Reforma do Ensino Médio, tanto nos termos da Lei 13.415/2017 quanto das regulamentações posteriores, não estabeleceu limite máximo de carga horária de seus cursos, estabelecendo limite apenas para a BNCC, limitada a 1.800 horas.

Nem mesmo o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos estabelece um limite máximo para cada formação, estabelecendo apenas uma carga horária mínima para cada formação (CNCT, 2020).

Nesse mesmo sentido, a Resolução CNE/CP n. 1/2021, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, diz, em seu artigo 26, que

“A carga horária mínima dos cursos técnicos é estabelecida no CNCT ou por instrumento correspondente a vir substituí-lo” (Resolução CNE/CP n. 1/2021).

No parágrafo primeiro do mesmo artigo lemos que

“Os cursos de qualificação profissional técnica e os cursos técnicos, na forma articulada, integrada com o Ensino Médio ou com este concomitante em instituições e redes de ensino distintas, com projeto pedagógico unificado, terão carga horária que, em conjunto com a da formação geral, totalizará, no mínimo, 3.000 (três mil) horas, a partir do ano de 2021, garantindo-se carga horária máxima de 1.800 (mil e oitocentas) horas para a BNCC, nos termos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, em atenção ao disposto no §5º do Art. 35-A da LDB” (Resolução CNE/CP n. 1/2021).

Desse modo, não encontramos nem na legislação da Educação Básica, nem na legislação da Educação Profissional nenhum limite máximo estabelecido para a carga horária dos cursos de Ensino Médio e de cursos técnicos e nem para os cursos técnicos articulados com o Ensino Médio.

Pelo contrário, o próprio CNCT acaba por reconhecer a especificidade desses cursos quando, ao estabelecer a duração de cada formação, pondera que essa duração foi estimada para a forma subsequente, e que ela “pode variar de acordo com cada plano de curso, principalmente levando-se em conta os cursos integrados e concomitantes” (CNCT, 2020).

Desse modo, não há nada que obrigue o IFSP a estabelecer um limite máximo da carga horária de seus cursos integrados em 3.440 horas para formação técnica de 1.200 mínimas definidas no CNCT.

Desse modo, devemos dizer que esse limite máximo da carga horária para os cursos integrados do IFSP foi uma decisão exclusiva da reitoria do IFSP, que, inclusive se encontra em oposição à LDBEN que define que

“A carga horária mínima anual (…) deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017” (LDBEN, art. 24, § 1º).

Sabendo que, em média, os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio do IFSP têm 3.665,26 horas – segundo levantamento feito em março de 2021 pela Diretoria de Educação Básica do IFSP -, fica claro que a política de limitação da carga horária máxima dos cursos integrados vai na contramão do estabelecido na LDBEN, significando uma redução abrupta da carga horária e não sua “ampliação progressiva”.

A reitoria do IFSP, ao invés de combater a Reforma do Ensino Médio, ou ao menos tencionar explorando suas contradições, parece querer ser mais “realista que o rei”, criando uma regulamentação própria ainda mais dura e limitante que o próprio texto da reforma e de suas regulamentações.

A contradição entre o aumento geral da carga horária e a redução da formação geral básica ou BNCC a 1.800 horas não pode ser resolvida sem considerarmos a existência de uma parte diversificada do currículo.

Aliás, é a própria LDBEN que estabelece em seu artigo 26 que

“Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos” (LDBEN, art. 26).

Isso pode nos abrir possibilidades de interpretações e propostas curriculares distintas do esquema BNCC+CNCT.

Devemos considerar simplesmente o itinerário formativo como sendo a parte diversificada do currículo ou podemos pensar que também cabe uma parte diversificada na formação geral? Podemos considerar que o CNCT esgota as possibilidades de determinada habilitação profissional ou podemos considerar também que a própria habilitação profissional, no quadro de uma integração com a Educação Básica e com a realidade local não deva considerar também uma parte diversificada para além da formação estritamente técnica?

Se a resposta for sim, poderíamos pensar o currículo dos nossos cursos como sendo compostos por BNCC (até 1.800 horas) + parte diversificada da formação geral + formação profissional (CNCT) + elementos de integração. (O sinal de “mais” não é o mais adequado para a formação INTEGRADA mas me falta um sinal melhor…).

Sem considerar o aumento da carga horária total dos cursos integrados (ou pelo menos não obrigar a sua redução geral!), a própria formulação de um currículo de referência – apresentado como forma de tentar resistir à BNCC – não significará muito mais que um blefe.

Na verdade, tal como ficou definido na Instrução Normativa PRE IFSP n. 6/ 2021, a relação entre formação geral e formação técnica é ainda pior que o esquema BNCC (até 1.800 horas) + formação técnica. Na referida Instrução Normativa (IN) podemos ler que:

“Os cursos técnicos na forma integrada ao ensino médio devem conter carga horária mínima de 2.000 horas destinadas aos conhecimentos da formação geral, distribuídos entre Núcleo Estruturante Comum (NEC) e Núcleo Estruturante Articulador (NEA), e mínimo de 800, 1.000 ou 1.200 horas, conforme o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos (CNCT), de conhecimentos associados à formação técnica, distribuídos entre Núcleo Estruturante Tecnológico (NET) e NEA, sempre observando as orientações da carga horária dispostas pela Resolução IFSP 18/2019” (Instrução Normativa PRE IFSP n. 6/ 2021, art. 5).

Pode parecer que a carga horária mínima de 2.000 horas “destinadas aos conhecimentos da formação geral” seja um pouco melhor que o limite máximo de 1.800 horas para a BNCC estabelecido pela Lei 13.415/2017. Entretanto, temos que considerar duas coisas: a composição do que a IN está chamando de formação geral e “as orientações da carga horária dispostas pela Resolução IFSP 18/2019”.

Sobre a primeira questão, vemos que a IN define que “os conhecimentos da formação geral” (e sua carga horária!!!), serão “distribuídos entre Núcleo Estruturante Comum (NEC) e Núcleo Estruturante Articulador (NEA)”. Já os “conhecimentos associados à formação técnica”, serão “distribuídos entre Núcleo Estruturante Tecnológico (NET) e NEA”. Assim, o Núcleo Estruturante Articulador (NEA) fará parte, simultaneamente da formação geral e da formação técnica. Dessa forma, parte das 2.000 horas mínimas estabelecidas para a formação geral também é composta por “conhecimentos associados à formação técnica”.

A ideia de um Núcleo Estruturante Articulador (NEA) poderia ser uma forma de responder à necessidade de uma “parte diversificada” do currículo, tal como levantei acima. Entretanto, a limitação da carga horária total do curso e a definição de uma carga horária mínima da formação profissional estabelecida pelo CNCT faz com que esse NEA concorra antes com a carga horária da formação básica. Aliás, a IN não estabelece uma carga horária mínima exclusiva para o Núcleo Comum Estruturante.

Mais problemático ainda é a observação das “orientações da carga horária dispostas pela Resolução IFSP 18/2019”, ou seja, o limite de 3.440 horas para os cursos integrados. Esse limite faz com o que a carga horária mínima para a formação geral se torne praticamente sua carga horária máxima, havendo a possibilidade de aumento da carga horária total do curso de 225 a 240 horas em relação à carga horária mínima, a depender da formação profissional oferecida, o que, forçosamente significará redução da carga horária da formação básica nos cursos do IFSP.

Mesmo que todas as horas que excedam o mínimo sejam utilizadas na formação geral, ainda assim haveria uma redução da carga horária destinada a essa formação.

Atualmente – seguindo o mesmo levantamento já citado da Diretoria de Educação Básica do IFSP -, os cursos integrados do IFSP têm, em média, 2.407,79 horas destinadas à formação geral. Se disponibilizarmos todo o aumento possível da carga horária para a formação geral, chegaríamos a, no máximo, 2.240 horas, havendo, portanto, uma redução geral mesmo em relação à média do IFSP.

Nem a LDBEN reformada pela Lei 13.415/2017 e nem as Resoluções nacionais que a seguiram estabeleceram uma carga horária máxima para a duração do Ensino Médio. Pelo contrário! Embora tenha limitado formação geral básica ou BNCC em 1.800 horas, estabeleceu o princípio do aumento progressivo da carga horária anual para 1.400, embora, como já dissemos, sem data definida.

Desse modo, penso que o estabelecimento de uma carga horária máxima para os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio do IFSP é uma decisão interna, não podendo ser debitada simplesmente como uma consequência da Reforma do Ensino Médio. A Reforma do Ensino Médio define uma carga horária máxima para a BNCC, não para o Ensino Médio como um todo. Quem fez isso foram as resoluções e instruções normativas do próprio IFSP. Então cabe a nós revogá-las.

SAIBA MAIS:

Acesse abaixo a primeira parte do texto:

Breve consideração sobre a reestruturação dos cursos integrados no IFSP: a questão da carga horária