O governo Bolsonaro apresentou na última terça-feira (05/11) ao Senado Federal um conjunto de medidas econômicas. Nas palavras do governo, que sempre foi de produzir notícias falsas, medidas que modernizarão o país. Na prática, um perigoso pacote que pode destruir o serviço público e reduzir a capacidade de atuação do Estado Brasileiro, fazendo dele menos que um estado mínimo: um estado ínfimo!

O próprio Bolsonaro foi até o Senado, junto dos ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia), entregar o pacote que propõe alterar/criar leis e emendar a constituição em mãos ao presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Mas, afinal, do que trata esse pacote?

O conjunto de ações é dividido em seis eixos:

1) reformulação do Pacto Federativo;
2) gatilhos para conter investimentos do Estado;
3) revisão de 281 fundos públicos;
4) reformulação do serviço público;
5) novo modelo de privatizações;
6) e modificação dos impostos.

Este pacote de ações tem objetivos ultraliberais – fabricados por mitos de Paulo Guedes – bem definidos: diminuir a capacidade de investimento e atuação do Estado; privatizar as empresas estatais; restringir o acesso aos serviços públicos; e reduzir/congelar salários de trabalhadores dos serviços público e privado; utilizando como justificativa uma suposta situação de emergência fiscal da União – a qual não impede os altos salários do Judiciário e do Legislativo e nem os gastos secretos e exorbitantes do cartão corporativo utilizado por Jair Bolsonaro.

As três primeiras Propostas de Emenda à Constituição (PECs) foram entregues ao Senado. A previsão é que as demais sejam entregues em curto espaço de tempo à Câmara Federal, possibilitando que todo o conjunto de ataques tramite simultaneamente nas Casas e divida a resistência da oposição, tornando menos complicada a aprovação do pacote.

Caos social à vista

Mesmo os especialistas liberais indicam que este pacote de ações do governo representa um risco à nação e à economia, principalmente por promover a consolidação das desigualdades.

O governo Bolsonaro quer transferir tanto quanto possível para o setor privado responsabilidades, inclusive sociais, hoje mantidas pelo Estado, de acordo com as determinações da Constituição. Isso também inclui privatizar todas (como fala Paulo Guedes) ou quase todas (como fala Bolsonaro) as empresas estatais do país. O modelo tem semelhanças com o implantado no Chile entre os anos de 1970 e 1990.

Lá no Chile, um país de pequena dimensão territorial e com uma população menor do que a da cidade de São Paulo-SP, a aplicação do modelo que, na essência, se tenta agora replicar no Brasil, promoveu crescimento econômico. Mas, ao mesmo tempo, gerou profundas desigualdades de renda e riqueza, levando o país a vivenciar hoje uma condição de caos social.

A privatização quase completa dos serviços públicos básicos chilenos, assim como das aposentadorias do país, resultou em queda acentuada do bem-estar da população mais vulnerável. Num país como o Brasil, de dimensões continentais e população acima de 200 milhões de pessoas, com péssima distribuição de renda e alarmantes índices de pobreza, as reformas propostas por Bolsonaro e Paulo Guedes não listam entre suas prioridades o necessário aumento do bem-estar das camadas mais pobres – e isso num momento em que a extrema pobreza cresce e atinge 13,5 milhões de pessoas no território nacional.

Mesmo do ponto vista estritamente econômico – que seria o da retomada do crescimento e da elevação da renda per capita – a reforma do Estado proposta no pacote do governo Bolsonaro esbarra em obstáculos não triviais.

O primeiro é a própria concentração de renda. O modelo puro de mercado defendido pelo ultraliberalismo do governo só cuida da produção de riqueza, ignorando a distribuição dela. Distribuir renda não faz parte do escopo ultraliberal e nem de suas ferramentas típicas.

O modelo puro de mercado sempre foi reconhecido como um concentrador de renda. Os governos, tendo essa certeza histórica em conta, vêm introduzindo freios e contrapesos à tendência de oligopolização de mercados inerente ao modelo. Agências reguladoras e intervenções sociais do Estado, sobretudo nas áreas de Educação e Saúde, são alguns dos mecanismos criados para exercer esses freios.

Outro problema da aplicação de modelos estritos de mercados, principalmente em economias com alta desigualdade de renda e índices elevados de pobreza, deriva da dificuldade em impulsionar o consumo quando a renda baixa da grande maioria impõe restrições ao volume total consumido. Isso trava, em determinado momento, o potencial de crescimento da economia, uma vez que o consumo costuma ser a parcela mais importante da formação do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, por exemplo, o consumo agregado responde por 60% da composição do PIB.

Um outro lado dessa mesma moeda tem a ver com uma outra dificuldade do modelo que Bolsonaro e Paulo Guedes pretendem fazer valer no Brasil: investimentos. A teoria reza que, ao tirar o Estado de cena, abrem-se espaços para a ascensão do investimento privado. Mas o investimento privado, cuja única premissa é o retorno acima do invertido, depende do consumo e da renda. Primeiro, precisa que o consumo seja vigoroso o suficiente para assegurar o retorno esperado do investimento. Depois, que a renda, atendido o consumo, seja alta o suficiente para garantir aumento da poupança privada. É da poupança privada, quando o Estado está fora da economia, que depende o investimento privado. No Brasil, a taxa de investimento, de 16% do PIB no segundo trimestre de 2019, encontra-se em nível historicamente baixo.

Ataques aos servidores

A Reforma Administrativa foi entregue ao Senado na terça-feira e deve ser endereçada inicialmente à Câmara Federal, visto que um dos seus principais defensores é o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A proposta desenhada pela equipe econômica que, segundo falou Bolsonaro, está “praticamente pronta”, pretende mudar regras de contratação, salário e jornada, além de diminuir comissionados e carreiras e mudar a estabilidade dos futuros servidores públicos.

As mudanças valerão para aqueles que se tornarem servidores após a aprovação do projeto pelo Congresso. Entre os pontos pretendidos pela Reforma, estão:

– reduzir, em até 80%, o número de categorias do serviço público federal – o governo estuda diminuir as atuais 117 para algo entre 20 e 30;
– flexibilizar as regras para que se possa movimentar servidores com atribuições semelhantes sem esbarrar em questionamentos judiciais;
– rebaixar salários iniciais e reorganizar as tabelas remuneratórias – o objetivo é fazer com que os rendimentos dos servidores fiquem próximos aos praticados na iniciativa privada;
– modificar as regras para promoções de cargos e funções, aumentando em tempo e impondo novos critérios às normas;
– retirar a estabilidade dos novos servidores, assim como propor o fim da estabilidade para servidores que sejam filiados a partidos políticos;
– criar avaliação de desempenho anual – a nova regra facilitará demissões.

Além desses ataques, que serão apresentados na Reforma Administrativa, a chamada “PEC Emergencial”, que inibe os investimentos públicos em situação de emergência fiscal da União (quando a “regra de ouro” não for cumprida pelo governo), traz a possibilidade de emendar a Constituição para que reduzir salários e jornadas de servidores públicos, em até 25%, seja permitido – situação que o STF recentemente vetou em julgamento.

Sabemos onde isso vai dar…

Desde o golpe jurídico-parlamentar de 2016 que a direita brasileira vem buscando reformatar o Estado para o atendimento dos seus interesses. Muitas mentiras foram contadas de lá pra cá, tais quais:

Tirar Dilma da presidência resolverá nossos problemas!
O Teto de Gastos resolverá nossos problemas!
A terceirização ampla e irrestrita criará empregos!
A Reforma Trabalhista criará empregos!
Eleger Bolsonaro e derrotar a esquerda nas eleições resolverá nossos problemas!
A Reforma da Previdência resolverá nossos problemas!

Nós sabemos onde esse caminho nos levou: a nossa vida não melhorou, o desemprego aumentou e a desigualdade social cresceu. O ódio venceu a esperança e o país regrediu.

Está evidente que este pacote econômico de Bolsonaro e Paulo Guedes não trará nenhuma solução. Ele apenas amplificará nossos problemas. O Estado precisa ser uma máquina solidária, não um impulsionador da desigualdade que, privatize todos os seus serviços e seja indiferente ao sofrimento e às necessidades da população.

Esse pacote de Reforma do Estado e da Administração Pública proposto pelo governo Bolsonaro pode ferir de morte os objetivos da Constituição de 1988, que representa o pacto civilizatório do nosso país.

Precisamos lutar para derrotar essas medidas agora. Se elas forem aprovadas e colocadas em prática, a maior parte da população será desassistida pelo Estado e seus serviços e o país entrará em uma inevitável rota rumo à convulsão social.

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