Artigo | Sobre o Retorno Presencial
Autor: Rogério Tadeu da Silva*
Professor da área de Gestão – IFSP Câmpus São Roque
Diante da publicação da Instrução Normativa SGP/SEDGG/ME Nº 90, de 28/09/21, e da reunião geral com docentes ocorrida na tarde de ontem, 30/09/2021, em São Roque, compartilharei algumas reflexões necessárias para ajudar neste momento.
Primeiro, um importante esclarecimento de quem estuda, pesquisa e leciona sobre Administração Pública: portaria ou instrução normativa não é lei! Esse discurso de que se deve obedecer norma infralegal (por exemplo, portaria, instrução normativa) sem que ela esteja devidamente fundamentada e respaldada em norma legal, é um enorme equívoco. Respeitar a hierarquia das normas é fundamental para o bom funcionamento da res publica.
Por isso, ao observar a Reitoria e Direções Gerais assumindo como obrigatório o cumprimento de portarias e instruções normativas que ferem a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, entre outras normas legais, para mim, indica despreparo para lidar com a Administração Pública. Uma Autarquia Federal não está sujeita aos mandos e desmandos do Ministério da Educação, muito menos do Ministério da Economia. Há um ordenamento jurídico que precisa ser respeitado por todos, inclusive pelos referidos ministérios.
Essa ingerência entre órgãos públicos corrói os fundamentos da Administração Pública e pode destruir os alicerces do Estado Democrático de Direito.
Para esse 1º ponto, claro, cabe agir na esfera judicial. Mas não é responsabilidade do sindicato. É responsabilidade de quem está no exercício de Cargo de Direção (CD) observar e zelar pela legalidade, portanto, espero que a Reitoria e as Direções Gerais se esforcem por cobrar o respeito à autonomia conferida pela Constituição e pelas normas legais às autarquias federais.
Segundo, algo que os servidores que ocupam os Cargos de Direção (CDs) precisam estar cientes: responsabilidade pelos riscos.
A responsabilidade pelos riscos é de quem está na direção da organização.
No Bacharelado em Administração, curso oferecido em São Roque e em Jacareí e que obteve conceito máximo no ENADE 2018, ensinamos nossos estudantes que correr risco faz parte do cotidiano de quem dirige uma organização.
Ensinamos, também, que sempre é preferível o risco calculado. Entre um risco calculado e um risco obscuro, racionalmente, deve-se preferir o risco calculado.
Considerando o retorno presencial, podemos identificar inúmeros riscos.
Ater-me-ei à 2: a) risco de contaminação viral e proliferação de variantes; b) risco de prejuízos à formação discente.
O risco de contaminação viral e proliferação de variantes é de difícil cálculo. Mesmo considerando os protocolos de biossegurança, mesmo que sejam poucas pessoas, a contaminação viral costuma ser um problema de progressão geométrica. Ou seja, não precisa de centenas… Algumas poucas unidades podem crescer exponencialmente, causando bastante estragos. A proliferação de variantes é outra informação de baixíssima previsibilidade. O que se tem de mais reconhecido como solução é o isolamento social. O isolamento social tem sido o procedimento mais eficaz para minimizar o risco de contaminação viral e de proliferação de variantes. Inclusive, as variantes ganharam força por causa de localidades que não se empenharam ao máximo no isolamento social.
Solucionar os problemas decorrentes deste risco é outro obstáculo complicado… Há, entre nós, servidores que têm mais competência para explicar as dificuldades de se solucionar as consequências negativas que o risco de contaminação viral e proliferação de variantes pode proporcionar à comunidade. Por exemplo, a morte de um estudante ou de um servidor não tem solução…
Portanto, esse risco é tão cheio de incertezas, que seu cálculo é muito difícil, ele é obscuro. Correr esse risco chega a ser irresponsável.
O risco de prejuízos à formação discente é menos difícil de calcular. Como escrevo para profissionais da educação, certamente é desnecessário detalhar. Solucionar os problemas decorrentes deste risco também são mais exequíveis: é possível reverter os prejuízos à formação discente. É verdade que as soluções exigirão recursos que não necessariamente estarão disponíveis. Mas, ainda assim, é menos complicado obter estes recursos do que reverter sequelas causadas pelo coronavírus e suas variantes.
Entre um risco e o outro, eu terei posturas diferentes.
Para o risco de contaminação viral e proliferação de variantes, não tenho dúvidas de me colocar à disposição das vítimas na responsabilização de quem decidiu correr esse risco, pois considero imprudência assumi-lo.
Para o risco de prejuízos à formação discente, não tenho dúvidas de que estarei disposto a colaborar com os dirigentes do IFSP na reparação ou compensação das consequências, pois o processo ensino-aprendizagem pode acontecer a qualquer momento na vida de qualquer pessoa. Não é possível afirmar o mesmo quando se trata de doença e das sequelas incapacitantes ou fatais dela.
Seria preferível, apesar de longe do ideal e do desejável, permanecer na Fase I em 2021. Faltam menos de 3 meses para terminar o período letivo.
Acreditar que neste curto prazo haverá aprendizado, de fato, e de que não significará transtornos à comunidade (readaptação ao presencial com os novos protocolos; moradia, ou algo assemelhado, para estudantes e servidores que não residem no mesmo município do câmpus; disposição para aprender com tão pouco tempo e com tantas exigências nesta nova convivência; etc.), é desumanizar o real significado do que o retorno presencial representará no contexto que estamos vivendo.
Espero que o IFSP resista!
E que possamos correr riscos calculados somente em 2022.
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