PROCESSO SELETIVO IFSP | Confira, na íntegra, a reflexão assinada pelo companheiro RICARDO PLAZA, professor de Física no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus Caraguatatuba. O docente defende que a forma de ingresso adotada em 2022 restringiu a procura pelos cursos superiores somente à comunidade do município e do entorno geográfico, bem como problematiza as consequências desta questão. A partir da experiência como coordenador do curso de Licenciatura em Física do IFSP Caraguatatuba em 2021, Ricardo sugere que a reitoria adote critérios mais amplos – tais como o uso de notas do ensino médio, certificado de uma primeira graduação ou desempenho no ENEM – para que as turmas de ingressantes dos cursos superiores do IFSP, particularmente das Licenciaturas, atinjam a marca de 40 estudantes regulares.

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Prezados colegas,

Respeitosamente, vou expor a minha perspectiva sobre um tema que penso ser muito importante neste momento: a questão do número de inscritos (até 18/02/2022) para tentar ingressar nos cursos superiores do IFSP (particularmente nas Licenciaturas) de acordo com a nova forma de seleção decidida para valer para este início de 2022 (basicamente usar as notas de um dos últimos cinco ENEM, entre 2017 e 2021).

Pela tabela com os dados com as quantidades de inscritos por vaga para os cursos superiores do IFSP (até o dia 18/02/2022, data limite para efetuar a inscrição) me parece que os cursos de Licenciatura dos diversos câmpus do IFSP foram nitidamente muito afetados negativamente por essa nova modalidade adotada em 2022 para seleção de alunos para cursos superiores (não usamos o SiSU, mas sim diretamente algum ENEM entre 2017 e 2021).

A grande maioria dos cursos de Licenciatura do IFSP teve uma procura menor que 1 candidato por vaga (isso ocorreu também com outros cursos de Tecnologia e mesmo de Bacharelado). Tradicionalmente, os cursos de Licenciatura sempre tiveram uma procura menor que os de Bacharelado no Brasil, em universidades federais e estaduais, bem como nos Institutos Federais: isso vem desde muito antes da pandemia e está relacionado ao baixo prestígio associado à docência. Pode-se e deve-se discutir muito sobre os fatores para isso, desde a desvalorização social e econômica da profissão de professor, as investidas de discursos de ódio que procuram cercear a liberdade de ensinar (liberdade de cátedra) dos professores por parte de movimentos como o “Escola Sem Partido” e os ataques à educação pública, sobretudo pelo governo federal atual, até a tragédia promovida pela Covid-19.

Mas, indo ao ponto, objetivamente, creio que essa forma de ingresso adotada em 2022 tendeu a, de modo geral e para acho que todos os cursos, restringir muito a procura pelos cursos superiores somente à comunidade do município de cada câmpus do IFSP e do entorno geográfico desse município.

Perderam-se as características que o SiSU permite de grande mobilidade de alunos que vivem em municípios distantes do câmpus em questão, com alunos que muitas vezes se mudam e passam a morar em repúblicas no município onde vão estudar, em localidades próximas ao prédio do IFSP.

Alguns dados sinalizam nesse sentido: por exemplo, cursos de Engenharia são sempre mais procurados que as Licenciaturas por diversas fatores, mas, paradoxalmente, o curso de Engenharia Elétrica do câmpus de Presidente Epitácio do IFSP (localizado próximo à fronteira com o estado do Mato Grosso do Sul, em um município relativamente afastado de grandes centros urbanos) teve uma procura de apenas 0,53 candidato por vaga.

Isso pode indicar que essa forma de ingresso adotada em 2022 não incentivou tanto a mobilidade geográfica dos ingressantes quanto o SiSU.

Entretanto, agora, entendo que o principal a fazer é tentar reverter com urgência esse quadro.

Nossos cursos de Licenciatura (assim como outros cursos que tiveram baixa procura) não podem começar as turmas de primeiro semestre de 2022 com tão poucos alunos.

Penso que é do nosso interesse como professores desses cursos encontrar mecanismos que permitam que as novas turmas comecem “cheias”, com os 40 alunos de praxe.

Pode ser que alguns entendam que isso é bom, pois estamos abarrotados de aulas e teríamos menos trabalho com menos alunos. Há até quem defenda que devido ao número pequeno de alunos que se inscreveram para as Licenciaturas, não sejam abertas novas turmas em 2022 nesses cursos.

Mas eu acho isso um erro, um equívoco, o enfraquecimento das Licenciaturas não é algo positivo nem para nós que somos professores delas, nem para o IFSP, e muito menos para o país.

E há sim mecanismos para aumentar o número de ingressantes. Pela nossa experiência há um número considerável de cidadãos interessados (de diversas idades e procedências) nas Licenciaturas, mas que não prestaram nenhum ENEM (ou no limite prestaram um ENEM há muito tempo).

Vou relatar abaixo uma experiência que passei como coordenador do curso de Licenciatura em Física do IFSP Caraguatatuba no passado.

No início de 2018, o curso de Licenciatura em Física do IFSP Caraguatatuba preencheu pelo SiSU somente 26 das 40 vagas ofertadas.

Foi feito então um edital no câmpus para completar as 14 vagas restantes, com três critérios possíveis. Basicamente, o principal critério era o da nota média das disciplinas de Matemática e Português, além de Física, Química e Biologia (devido à especificidade do curso de Licenciatura em Física) dos três anos de Ensino Médio onde cada candidato estudou (com as notas comprovadas pelo Histórico Escolar). Por esse critério, para essas 14 vagas apareceram 17 inscritos!

No edital tinha também uma segunda possibilidade de se inscrever quem já tivesse uma graduação (é a chamada segunda graduação): por esse critério surgiram mais 8 inscritos para as 14 vagas.

Havia uma terceira possibilidade no edital que era o uso direto do ENEM (poderíamos neste momento permitir o uso de qualquer ENEM, desde que este exame se iniciou em 1998; há muita gente “parada” e que quer voltar a estudar). Por essa terceira possibilidade se inscreveram mais 15 pessoas para as 14 vagas.

Portanto, no total surgiram 40 novos candidatos para disputar as 14 vagas restantes e que não tinham sido preenchidas pelo SiSU!

Resumindo, a turma ingressante acabou ficando com os 40 alunos regulares (26 ingressaram pelo SiSU e 14 por esse edital).

Muitos dos 14 candidatos que ingressaram por meio desse edital se tornaram excelentes alunos do curso e ajudaram a melhorar a qualidade da turma.

Muito provavelmente os gestores do IFSP já estão pensando em soluções para este problema.

De qualquer forma, sugiro, de modo respeitoso, que a reitoria do IFSP e/ou os diretores de cada câmpus, deveriam pensar urgentemente em lançar editais similares (usando as notas do ensino médio ou um certificado de uma primeira graduação ou a nota de qualquer ENEM, se isso for possível em termos legais) para conseguirmos completar o mais rapidamente possível as turmas de ingressantes dos cursos superiores do IFSP (particularmente das Licenciaturas) com os 40 alunos regulares que são de praxe.

Há muitos brasileiros que querem (e precisam) estudar em cursos superiores gratuitos e de qualidade, como as Licenciaturas do IFSP, por exemplo.

Ficarmos com turmas pequenas de ingressantes penso que é um desperdício para o país.

E o Brasil precisa formar mais graduados em cursos de qualidade e que possam colaborar para o desenvolvimento social e econômico de nosso país: essa é uma verdadeira necessidade de uma nação em desenvolvimento e ainda tão desigual como a nossa.

Acho que o IFSP tem a obrigação de cumprir da forma mais comprometida possível com esta tarefa que está relacionada com o papel social relevante que deve cumprir esta nossa instituição que procurar articular ensino, pesquisa e extensão.

Um cordial abraço

Caraguatatuba, 22 de fevereiro de 2022

Prof. Ricardo Roberto Plaza Teixeira
Docente de Física do IFSP-Caraguatatuba