A preocupante ausência do Ensino Médio Integrado no Projeto de Lei do novo Plano Nacional de Educação
Desde 27 de junho de 2024 tramita no Congresso o Projeto de Lei 2.614/2024, que aprovará o novo Plano Nacional de Educação (PNE). Quando aprovado, o novo PNE irá pautar as metas e estratégias para a política educacional pelos próximos dez anos. Desse modo, deve-se fazer da tramitação e das disputas pelas diretrizes elemento central do debate público sobre o rumo e o futuro da educação brasileira que queremos.
Nos próximos meses, as principais disputas no campo das políticas educacionais se darão em torno da tramitação do novo PNE. Para o futuro dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, esses embates se concentram em dois elementos: as consequências do Arcabouço Fiscal para o financiamento da educação; e a Reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017).
Quanto ao primeiro ponto, temos que ter clareza que o novo Arcabouço Fiscal é incompatível com a necessária expansão do investimento federal na educação pública. Suas consequências problematizam até mesmo o mínimo constitucional para a educação, determinado no artigo 212 da Carta Magna de 1988.
A Constituição Federal estabeleceu um mínimo para o investimento público na educação e uma meta de financiamento como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), a ser estabelecida em cada Plano Nacional de Educação. A questão é que o novo Arcabouço Fiscal é incompatível com o financiamento mínimo estabelecido pela Constituição, e também inviabiliza a meta de financiamento para o próximo PNE.
O Plano Nacional de Educação vigente, que se encerra este ano, havia estabelecido a meta de 10% de investimento para a educação pública até 2024. Atualmente, o país dispõe de pouco mais de 5% de seu PIB para a educação pública. O PL 2.614/2024, em discussão no Congresso Nacional, propõe atingir 10% do PIB até 2034. Se o Teto de Gastos de Michel Temer impossibilitou o crescimento do investimento público na educação, inviabilizando o próprio PNE 2014-2024, o Arcabouço Fiscal do atual governo travará o PNE 2024-2034. Em outras palavras, estamos entre duas alternativas excludentes: 1. Ou derrubamos o Arcabouço Fiscal; 2. Ou o Arcabouço Fiscal derruba o mínimo constitucional e inviabiliza qualquer meta de financiamento para o novo PNE, e, por conseguinte, o próprio Plano Nacional de Educação.
Quanto ao segundo ponto, da tramitação do novo PNE, temos que registrar uma ausência gritante: a exclusão de qualquer menção ao Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico no PL 2.614/2024, encaminhado pelo Ministério da Educação (MEC) ao Congresso Nacional. Esse “lapso” é decorrência direta da Reforma de Ensino Médio, que acabou de ser novamente reformada.
Desde a publicação da Medida Provisória 746/2016, a Reforma do Ensino Médio alterou, por via indireta, as formas de articulação entre a Educação Básica e Profissional. Pelo fato de nem a MP 746/2016, nem a Lei 13.415/2017 e nem a recentíssima “reforma da reforma”, aprovada pela Lei 14.945/2024, alterarem a Seção IV-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDBEN), que trata da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, muitos acreditavam que a reforma não modificava as formas de articulação entre a Educação Básica e Ensino Profissional. Esse ponto de vista mostrou-se um erro. A Reforma do Ensino Médio é uma alteração geral da educação, que modifica, inclusive, a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.
Embora não tenha revogado e nem alterado os termos da seção IV-A da LDBEN, a Reforma do Ensino Médio traz um grande problema para a definição das formas de articulação entre o Ensino Técnico e o Ensino Médio, pois, qual o sentido de se manterem essas formas de articulação, já que o Ensino Técnico poderá se tornar um itinerário formativo do próprio Ensino Médio? Se antes essas formas de articulação pressupunham uma formação concomitante ou integrada entre o Ensino Médio e o Ensino Técnico, agora o próprio Ensino Técnico poderá se tornar parte de Ensino Médio reformado, como um itinerário formativo.
Com a publicação da Resolução CNE/CP nº 1, de 5 de janeiro de 2021, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica, não há mais espaço para qualquer dúvida de que a Reforma do Ensino Médio avança sobre o Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico. Nestas Diretrizes pode-se ler:
Art. 26. A carga horária mínima dos cursos técnicos é estabelecida no CNCT ou por instrumento correspondente a vir substituí-lo, de acordo com a singularidade de cada habilitação profissional técnica.
§ 1º Os cursos de qualificação profissional técnica e os cursos técnicos, na forma articulada, integrada com o Ensino Médio ou com este concomitante em instituições e redes de ensino distintas, com projeto pedagógico unificado, terão carga horária que, em conjunto com a da formação geral, totalizará, no mínimo, 3.000 (três mil) horas, a partir do ano de 2021, garantindo-se carga horária máxima de 1.800 (mil e oitocentas) horas para a BNCC, nos termos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, em atenção ao disposto no §5º do Art. 35-A da LDB.
Desse modo, o Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico passa a ser regido pelo mesmo esquema do Ensino Médio regular, com o itinerário de formação técnica e profissional, ou seja, o esquema Base Nacional Comum Curricular (BNCC) + itinerário de formação técnica e profissional. Entretanto, os cursos Integrados ao Ensino Médio se mantiveram e se mantém na legislação educacional, ou seja, não foram retirados da Seção IV-A da LDBEN; e nem o Decreto nº 5.154/2004, que restabeleceu essa forma de integração da Educação Básica com a Educação Profissional, foi revogado ou alterado diretamente.
Agora, com a “reforma da reforma” estabelecida pela Lei 14.945/2024, estabelece-se uma distinção da carga horária mínima para a formação geral dos itinerários ligados às áreas de conhecimento da BNCC e o itinerário técnico e profissional:
Art. 35-C. A formação geral básica, com carga horária mínima total de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas, ocorrerá mediante articulação da Base Nacional Comum Curricular e da parte diversificada de que trata o caput do art. 26 desta Lei.
Parágrafo único. No caso da formação técnica e profissional prevista no inciso V do caput do art. 36 desta Lei, a carga horária mínima da formação geral básica será de 2.100 (duas mil e cem) horas, admitindo-se que até 300 (trezentas) horas da carga horária da formação geral básica sejam destinadas ao aprofundamento de estudos de conteúdos da Base Nacional Comum Curricular diretamente relacionados à formação técnica profissional oferecida.
No artigo 36, lê-se ainda:
Art. 36. Os itinerários formativos, articulados com a parte diversificada de que trata o caput do art. 26 desta Lei, terão carga horária mínima de 600 (seiscentas) horas, ressalvadas as especificidades da formação técnica e profissional, e serão compostos de aprofundamento das áreas do conhecimento ou de formação técnica e profissional e serão compostos de aprofundamento das áreas do conhecimento ou de formação técnica e profissional, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, consideradas as seguintes ênfases:
(…)
V – formação técnica e profissional, organizada de acordo com os eixos tecnológicos e as áreas tecnológicas definidos nos termos previstos nas diretrizes curriculares nacionais de educação profissional e tecnológica, observados o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) referido no § 3º do art. 42-A e o disposto nos arts. 36-A, 36-B, 36-C e 36-D desta Lei.
Desse modo, a nova “reforma da reforma” refere-se diretamente às formas de articulação entre Educação Básica e Profissional na definição do itinerário de formação técnica e profissional, incorporando os dispostos nos artigos 36-A, 36-B, 36-C e 36-D, todos da Seção IV-A da LDBEN, na definição deste itinerário. Se a Lei 14.945/2024 não alterou ou aboliu diretamente a Seção IV-A da LDBEN, temos que reconhecer que ela busca fazer isso de maneira indireta, incorporando-a à definição do itinerário de formação técnica e profissional.
É por isso que o PL do novo PNE aboliu qualquer menção aos cursos de Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico pela formulação genérica de “articulação entre a educação básica e a educação profissional e tecnológica”. No documento encaminhado pelo governo Lula para a aprovação do novo PNE não aparece nenhuma vez o termo “integrado” ou “concomitante” em suas metas e estratégias.
A ausência de qualquer menção aos cursos técnicos Integrados ao Ensino Médio e sua substituição pela genérica “articulação entre a educação básica e a educação profissional e tecnológica” no Projeto de Lei encaminhado pelo governo deve nos acender um sinal de alerta. Entende-se que a falta de menção aos cursos Integrados não se justifica como simples “esquecimento”. O fim dos cursos Integrados e sua substituição pelos itinerários de formação técnica e profissional é decorrência direta da Reforma Ensino Médio de Michel Temer, o que fica mais explícito com a nova redação dada pela Lei 14.945/2024.
Diante disso, faz-se necessário ir para o enfrentamento e garantir que a expansão das vagas do Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico faça parte da política educacional para o próximo decênio, inscrevendo-a no PNE, defendendo seu projeto e a concepção de educação e sociedade que o fundamenta.
Abaixo o Arcabouço Fiscal! Em defesa do mínimo constitucional para a educação e em defesa dos 10% do PIB! Abaixo a Reforma do Ensino Médio! Pela manutenção e expansão do Ensino Médio Integrado ao Ensino Técnico, de seu projeto e seus fundamentos!
GT Políticas Educacionais do SINASEFE-SP
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